terça-feira, 30 de junho de 2009

E o desabafo não termina por aqui...

"Aaah, isso eu tenho que registrar!";e a foto ficou tão natural...meu vô!


Perdi uns três dias de aula na última semana de aula.Pra viajar pro sertão.E quem lê a palavra sertão imagina um clima seco, árido, umas vacas magras e umas casinhas com gente simples, com umas panelas penduradas na cozinha, quartos com camas, um armário com as roupas dos cinco filhos, uma tv velha na sala, uma plantação pra família cuidar.Errou quem pensou nisso.Errado quem associa todas essas imagens à palavra sertão.Tudo bem que no sertão a gente também vê isso, mas isto pode ser visto em qualquer lugar que tenha uma família lutando com trabalho duro pra plantar o que comer. A todo mundo que me perguntava pra aonde eu ía viajar, eu respondia:"Vou pro interior", e retornavam:"Foi obrigada ou por que quer?", eu dizia:"Eu gosto". O interior é tranquilo, é pacato pra quem não sabe o que fazer, afinal, o gostinho do interior é você acordar com os galos cantando, com alguém te chamando pra ver tirando o leite da vaca, pra correr pelos matos com seus primos de lá, pra ver as vacas, os bois, correr atrás das galinhas, brincar de casinha na árvore, sendo os galhos os quartos, o carrinho de mão o transporte...se balançar na rede, nas cadeiras de balanço de madeira, comer manga (e quando a vó visse comendo as verdes dissesse que fazia mal, apenas dizendo que as verdes ajudavam a descer), côco, goiaba, pinha, fresquinhos, do pé. E quando o sol não fosse mais testemunha, sentar em frente a chácara com a família reunida, conversando, contando histórias sobre quando os tios, as tias, os avós eram pequenos, o que faziam, quem era quem na cidade, ouvir as histórias macabras e rir com as figuras hilárias da família em meio ao friozinho e a iluminação da lua. Essas são as imagens que eu tenho de lá, são as minhas histórias entusiastas de infância. E poucos dias antes do São João eu voltei pra lá...Sabia que à noite teria festa, a festa da cidade!Cada um teria que levar alguma comida típica e ficava mais fácil porque todo mundo se conhecia, todos se respeitavam...Alguém me avise quando encontrar essa cidade, tenho vontade de conhecê-la!
Cheguei na chácara dos meus avós que fica bem no início da cidadela na quinta e as minhas companhias adolescentes eram meu primo que já estava lá e minha prima, que foi comigo na viagem. Fomos ver o movimento da avenida principal da cidade...estabelecimentos abertos:bares e mais bares, o 'movimento' da cidade: música alta em quase todos os carros que tinham as menores ou maiores e mais coloridas e potentes caixas de som na mala, era assim que estavam se movimentando. Os que não, estavam na porta, curiosos, conversando e achando tudo aquilo enriquecedor aos olhos, ou trabalhando nas lojinhas, supermercados, roça...É, não é mais como era antes, ou eu cresci e passei a enxergar de outro jeito?Eu gosto de música alta, de dançar e me divertir sim. Mas quando vejo que tem gente que se movimenta, vive só a partir disso, pra isso, é penoso. Lá tem muitas famílias humildes, algumas que sempre juntam um dinheirinho pra passear nas festas com as melhores roupas ou pra beber cachaça. Com a internet, as pessoas já não reunem-se mais na pracinha ou em frente as casas, tornam-se cada vez mais desconhecidas e aptas a trazer a cidade grande pro interior, isolando-se nas casas, como se a rua agora estivesse violenta, como se já não pudessem mais passar de um lado pro outro por causa dos carros, do movimento turbulento, de gente desconhecida. Como se houvesse tantos carros, tanto movimento, até parece. Mas agora há sim, gente desconhecida, que não se cumprimenta mais, e há ainda os velhinhos 'tradicionais' que observam tudo, pensam sozinhos, vão a igreja, lêem os seus livros, refletem sobre suas crenças e ainda saem pelas ruas do interior que pouco tem de tradição, que se customiza e entra na onda das cidades, propriamente ditas. A internet não é culpada de nada disso, as pessoas é que são. Por que não querer ouvir uma estória contada pelo seu avô, pelo seu pai, as histórias sobre o lobisomen, sobre o homem macabro, sobre os tempos de tradição?Isso serve pra cidade também. Mas é no interior que há tempo de sobra pra que essas estórias sejam contadas, afinal, as pessoas tão acostumadas com o auto sustento de uma vida tranquila, as suas alienações resumem-se ao convívio com os animais, com o ar fresco (e que assim seja), enquanto as pessoas na cidade correm alienadas para ter tempo de ir trabalhar, voltar pra casa, comer, assistir tv e dormir. Cadê o calor humano, cadê o orgulho de carregar o sobrenome do pai e da mãe?Cadê a relação de base, de carinho, de amor que julgam mover o mundo?
A gente diz que tudo é o costume...e a gente vai fechando os olhos, pelo cansaço, pelo cansaço de tornar tudo cansativo, tudo tão normal.


(1972)Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, aos 11 anos veio para o Brasil.
Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis.
É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

Um comentário:

  1. Sabia que eu também passei por isso, Dan?
    eu to acostumada aquela veelha calmaria de Propriá...a passar na rua e todo mundo me cumprimentar, mesmo que eu não lembre da pessoa, a ver gente na porta até tarde...
    E agora parece ser tão diferente, tão estranho.
    eu fui criada na porta de cas, e todos quando me reconhecem dizem: aaah...é aquela galeguinha gordinha que ficava de calcinha na porta de casa, como cresceeu!!
    e cresci mesmo, é isso que o tempo faz com a gente.
    Hoje eu não vejo mais crianças na porta, nem meninas de calcinha na rua. Hoje as portas não ficam mais abertas, nem os idosos na calçada...
    a internet prende as crianças nas suas fatasias, as meninas tem que ficar dentro de casa e os idosos tem medo dessa "turma nova".
    Coitadas das novas crianças...não sabem oq ue estão perdendo... não existe coisa melhor do que juntar a turma na porta, sair de cavalo a noite protegidos pela luz da lua, ir pra feira e pedir pedaços de queijo dizendo que está provando pra comprar quando na verdade nem se tem dinheiro...
    Espero que quando a "turma nova" acordar para a vida não seja tarde demais.
    Muuito interessnte seu texto, Dan!
    vc me influencia e é demais pro meu coração(ainda bm que cabe nele!)

    Te amo!
    Beijochorameliga! ;)

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